Os fóruns se caracterizaram pela afirmação de que “Outro mundo é possível”, diante da tentativa do “pensamento único”, do “Consenso de Washington” e do “fim da História”, de que as alternativas políticas deixariam de ter vigência diante de um modelo, que se pretendia incontornável, de “ajustes fiscais”
O Fórum Social Mundial surgiu como alternativa ao Fórum Econômico de Davos, no auge do neoliberalismo no mundo. Primeiro houve as manifestações anti-Davos, na Suíça, até que os movimentos de resistência ao neoliberalismo - conforme proposta de Bernard Cassen - se propuseram a organizar um Forum Social Mundial, antagônico ao de Davos. Porto Alegre foi escolhida como sede, por estar na periferia do capitalismo - vitima preferencial das políticas neoliberais -, na América Latina - onde se desenvolviam lutas importantes de resistência, como a dos zapatistas, do MST, dos movimentos indígenas na Bolívia e no Equador, entre muitos outros -, no Brasil, pela importância que a esquerda brasileira passou a ter - com forças como o PT, a CUT, o MST, entre outras - e em Porto Alegre, pelas políticas de orçamento participativo.
A adesão de muitas forças políticas - de direita primeiro, depois nacionalistas e social democratas - ao mesmo modelo, poderia induzir à confirmação dessa via única.
O FSM se opunha frontalmente a essa interpretação reducionista, propondo-se a agrupar todas as forças de oposição ao neoliberalismo - cuja abrangência tinha sido confirmada pelas manifestações contra a OMC, começando por Seattle e estendendo-se depois por muitas outras cidades -, intercambiar experiências e coordenar suas lutas.
Numa primeira etapa, se tratou das lutas de resistência à “livre circulação do capital”, à ditadura da economia sobre a esfera social, ao mundo unipolar imperial estadunidense, à devastação ambiental, ao monopólio privado da mídia - entre tantas outras lutas. As mobilizações contra a guerra do Iraque foram o ponto mais alto dessa etapa - mesmo se as ONGs, predominantes na organização dos Fóruns, resistissem sempre à inclusão do tema da guerra e da paz na agenda principal dos encontros.
As sucessivas crises neoliberais - da mexicana à argentina, passando pela asiática, pela russa, pela brasileira - levaram ao esgotamento do modelo neoliberal e começaram a surgir governos eleitos nessa onda - começando pelo de Hugo Chavez, em 1988, sucedido pela impressionante sucessão de presidentes latino-americanos - Lula, Kirchner, Tabaré, Evo, Rafael Correa, Fernando Lugo - que expressavam a disputa pela hegemonia, que se passava a se colocar como central na luta contra o neoliberalismo.
Os Fóruns passaram a ter que enfrentar novos dilemas: que atitude tomas diante desses governos, que passaram a representar a avançada na luta contra o neoliberalismo e pela construção de alternativas a esse modelo? Não estavam preparados, porque tinha se organizado para a fase de resistência, limitando sua ação a uma suposta “sociedade civil”, excluindo a esfera política - e, com ela, os partidos, o Estado, os governos, a estratégia. Nesse marco, os Foruns foram girando em falso, deixando de ser o ponto mais alto na luta anti-neoliberal, transferido para governos, de maior ou menor ruptura com esse modelo.
O próximo Fórum, significativamente realizado na America Latina - elo mais fraco na cadeia neoliberal - tem a possibilidade de superar esse descompasso e redefinir sua esfera de atuação - tanto em relação a restabelecer, de outra forma, as relações entre a esfera social e a política, única forma de disputar uma nova hegemonia, de lutar realmente pela construção do “outro mundo possível”, como na luta contra as guerras imperiais estadunidenses. Seu cenário latino-americano favorece a forte marca continental que deve ter, com análise e balanço dos 10 anos transcorridos desde a eleição do primeiro governo alternativo no continente.
Por isso, serão temas centrais no Forum de Belém, uma nova arquitetura financeira mundial, a definição de plataformas pós-neoliberais, a construção de processos de paz justos nos epicentros da “guerra infinita” - Iraque, Afeganistão, Palestina, Colômbia -, o avanço na organização da imprensa pública alternativa, os caminhos da luta por um mundo multipolar - entre tantos outros. É o momento da construção de alternativas concretas ao neoliberalismo - a nível mundial, regional e local. É oportunidade do Fórum se reciclar e se colocar à altura do maior desafio que se coloca à esquerda na entrada do novo século. A América Latina tem avançado significativamente nessa direção. Resta ao FSM aceitar o desafio e reinsentar-se claramente na construção do “outro mundo possível”, que já começou, neste lado do mundo, justamente onde o FSM escolheu para sua sede privilegiada.
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