sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Regularização fundiária prepara Marajó para a economia solidária

No arquipélago do Marajó, Estado do Pará, foz do rio Amazonas, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), através de sua Gerência Regional (GRPU-PA), continua levantamento de campo, identificação e cadastramento de milhares de famílias ribeirinhas agroextrativistas que vivem em terras públicas federais de área de várzea nas inúmeras ilhas do estuário amazônico. Fase preparatória para ordenamento territorial e desenvolvimento socioambiental sustentável das comunidades.


Com esta providência estratégica para o desenvolvimento humano da região, a força-tarefa da GRPU-PA em parceria com municípios, igrejas e associações locais proporciona reconhecimento oficial a tantas famílias ribeirinhas detentoras de direito de posse tradicional, nos termos da Constituição Federal, pela primeira vez efetivada, desde 1988. Trata-se da prestação de serviço público difícil e complexo dada a dificuldade de acesso e locomoção, sobretudo pelo estado de abandono de localidades isoladas por rios, furos e igarapés extremamente afastados das sedes de municípios notáveis pelo baixo IDH. Lugares inóspitos onde, muitas vezes, além de avultado analfabetismo e endemias crônicas, famílias inteiras não tem nem mesmo certidão de nascimento para efeito de titulação de uso de terras da União. Daí a necessidade de cooperação de todos no enfrentamento desta grave situação de exclusão da cidadania, envolvendo algo perto de 500 mil brasileiros e brasileiras, muitos dos quais ainda de origem indígena pregressa recente.

Tem aspecto humanitário e social importantíssimo a regularização fundiária neste enorme arquipélago (tamanho do Suriname vizinho) parte fundamental do Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PDTS Marajó), demandado pela comunidade marajoara; e do Plano Amazônia Sustentável (PAS) integrado pela União, Estados, Municípios e a sociedade em geral. Esta ação estratégica federativa corrige injustiça de 350 anos, praticada contra direitos ancestrais das populações tradicionais amazônicas. Historicamente determinada, desde a esquecida pacificação da ilha do Marajó, no ano de 1659.

Acordo histórico entre índios e colonizadores do Grão Pará, no rio Mapuá (hoje a reserva extrativista florestal, município de Breves-PA); básico para fundamentação do uti possidetis real da colonização portuguesa, iniciada com a conquista do rio das Amazonas, por Pedro Teixeira em viagem de entrada ao "desertão", desde Belém a Quito, Equador (1637-1639); reconhecido mais tarde pela Espanha, no tratado de Madri de 1750., que revogou o de Tordesilhas de 1494. Com o acordo de Mapuá (1659) se encerrou, de fato, o conflito armado (1623-1659), iniciado pela União Ibérica (1580) e terminado com a independência de Portugal (1640), entre portugueses aliados aos tupinambás, de uma parte; e índios nheengaíbas parceiros de holandeses e ingleses, de outra.

Os antigos marajoaras foram dura e injustamente castigados durante a guerra de expulsão dos estrangeiros invasores do Xingu e Baixo Amazonas. Por fim, coloniais lusos tentaram por todos meios ocupar as ilhas sem nenhum sucesso. Até que o payaçu dos índios, padre Antônio Vieira, conseguiu finalmente por meios pacíficos obter o que as armas nunca conseguiram. A fim de evitar a "guerra justa" de extermínio e cativeiro, requerida pela Câmara de Belém e autorizada por Lisboa ao governador do Maranhão e Grão Pará, André Vidal de Negreiros; que se afigurava altamente arriscada à manutenção de Belém do Pará (já fragilizada e em declínio por falta de recursos) em caso de maior resistência e levante geral de numerosos índios contrários no Marajó e Amapá, com provável ajuda militar da colônia holandesa, nas Guianas e Caribe.

Alcançada a paz com os rebeldes marajoaras, o que fizeram, então, os rudes senhores da colônia amazônica? Estes queriam escravos indígenas, "negros da terra"; não súditos leais e valentes. Longe de ser reconhecidos aos índios que aceitaram a soberania de Portugal e gratos aos padres que convenceram os rebeldes a quebrar o arco da guerra para aceitar as pazes com promessas de liberdade e segurança; ofuscaram o "sui generis" acontecimento que antecipava a teologia da libertação nas Américas, séculos antes.

Primeiramente, expulsaram com brutalidade os padres subversivos (1661), depois o tribunal do Santo Ofício processou e condenou Vieira por heresia judaizante; para o mentecapto sucessor de dom João IV, arrematar desdenhando a missão de paz dos jesuítas e desconhecendo rasamente o acordo do rio Mapuá entre os caciques nheengaíbas e o padre Antônio Vieira; nos termos da lei de liberdade dos índios e tutela dos mesmos pelos jesuítas, datada em Lisboa a 9 de abril de 1655; deu o dito por seu pai por não dito. Desamparou os índios livres deixando-os ser capturados como animais para ser escravos, em clara violação da lei dos resgates e usurpação de direitos adquiridos. Tal herança perversa está sendo reparada agora, três século depois, pelo governo democrático da República Federativa do Brasil em benefício dos cabocos remanescentes dos antigos marajoaras e mais populações tradicionais das várzeas do estuário Pará-Amazonas.

Se em 1757 o Marquês de Pombal revogou a doação da capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes [Marajó], criada em 1655; pagou régia indenização ao último Barão de Joanes com novo título de visconde de Mesquitela. E ainda assim. mais uma vez, foram expulsos os jesuitas e desapropriadas as fazendas da Companhia de Jesus na ilha do Marajó para doá-las com todas pertenças porteira adentro aos Contemplados (senhores coloniais agraciados pela Coroa) com a suposta "liberdade dos índios" confiada ao famigerado Diretório dos Índios cujas rendas dependias de trabalho escravo no Pesqueiro Real e outras dependências públicas ou privadas vivendo do trabalho de índios e negros.

Convém a opinião pública descobrir o contexto histórico pelo qual populações tradicionais amazônicas reconquistam agora direitos ofendidos pelo regime colonial e que a Democracia brasileira está integrando social e soberanamente. Já são cerca de 23 mil famílias atendidas para receber documento oficial de uso de áreas de várzea. Em Portel, uma primeira rodada de concessão de termos de autorização de uso foi realizada anteriormente e agora serão entregues mais 600 títulos de autorização. Medida Provisória assinada pelo Presidente Lula, vai agilizar a regularização fundiária através do MDA, que terá delegação para expedir documentação que antes era exclusiva do INCRA. Com isso o trabalho da SPU poderá ser acelerado.

O segundo passo após a regularização fundiária será implantação de planos de manejos comunitarios de uso multiplo, que através de associações e cooperativas tornará possível o uso sustentável dos recursos naturais pelos reais detentores da posse da floresta (comunidade agroextrativista).

Com objetivo de realizar o compromisso federal do ordenamento territorial sustentável e participativo do Marajó, para o qual o processo de regularização fundiária é uma prioridade, a GRPU-PA em parceria com a Prefeitura Municipal de Portel promove entrega de Termos de Autorização de Uso das áreas de várzea naquele município, dia 15/02/09, auditório "Manarijó", a partir das 8 horas, cidade de Portel (Marajó), Pará.

fonte: GRPU-PA /// parceria "Forum dos Povos das Água" e Museu do Marajó - www.museudomarajo.com.br


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